sábado, 4 de abril de 2009

NETTO, José Paulo. O que é Marxismo? 6ª ed. Ed. Brasiliense: Rio de Janeiro, 1990. Coleção Primeiros Passos.

Resenha do livro:

NETTO, José Paulo. O que é Marxismo? 6ª ed. Ed. Brasiliense: Rio de Janeiro, 1990. Coleção Primeiros Passos.

Primeiramente, o autor ressalta que a Herança de Marx exige reflexão crítica e ação revolucionária.

Os riscos do livro encontra-se em tentar resumir em tão curto espaço, sem deformar, um conjunto de tantas idéias e tamanhas polêmicas. Ou risco é tentar buscar verdades e fórmulas conclusivas, guia de modelos e desejo de encontrar soluções mais um menos fáceis para responder a tantas indagações.

Alguns pontos destacados pelo autor.

1. a obra original de Marx (a obra marxiana) é uma teoria da sociedade burguesa e da sua ultrapassagem pela revolução proletária;
2. considera a obra necessária, mas não suficiente, para explicar/compreender e revolucionar o mundo contemporâneo;
3. Julga que todas as idéias de Marx e seus seguidores devem ser testadas e verificadas sempre, jamais constituir como verdade imutáveis e evidentes por si só;
4. Sustenta a tese de que não existe o marxismo e sim marxismos, vertentes diferenciadas e alternativas de uma larga tradição teórica-política. A hipótese de um marxismo único, puro e imaculado remete a mitologia política e ideológica do que à crítica racional.

Este texto pode desagradar, o que o autor denomina de:

 Marxólogos – dissecam Marx como peça do passado;
 Marxizantes – retiram da obra de Marx o que lhes convém;
 Marxistas acadêmicos – de qualquer tipo – os dogmáticos e os dissidentes – todos ganhando a vida graças a suposição da existência desse algo chamado marxismo.

PRESSUPOSTOS DA TEORIA SOCIAL DE MARX

Contexto: na primeira metade do século XIX, berço a Europa Ocidental tem duas situações peculiares: a Revolução Francesa e as sublevações operárias de 1848.

As transformações advindas da Idade Média, com a radical transformação no controle do sistema de poder, a burguesia sob múltiplas forma de poder aliada com a revolução industrial, confere ao conhecimento cientifico da natureza, função outrora desconhecida; a economia e a sociedade organizam à estratégia burguesa e a uma lógica específica: a valorização do capital.

Tudo isso configura um novo padrão de vida social – urbano industrial. Esse novo mundo burguês envolve um decisivo confronto de classes e gesta a questão da revolução proletária.

Com essa divisão de águas, se instaura dois blocos: a teoria social de Marx e o pensamento conservador, produto da conjunção dos veios restaurados e românticos (intelectuais iluministas como Smith, Ricardo, Goethe e Hegel). Tal cenário é a expressão de um confronto do universo da cultura com o universo do trabalho.

São sob essas condições que Marx erige a sua obra e que precisa ser destacadas três conseqüências:

1. Marx se beneficia diretamente da experiência cultural que a precedeu – Marx é resultado de uma grande tradição cultural;
2. Marx é um, embora o maior, dentre muitos teóricos que no processo em curso àquela época, passando para as fileiras do movimento operário, procurando fundir o patrimônio cultural existente com a intervenção política do proletário;
3. A construção teórica de Marx é um componente das muitas formulações que ao tempo, se estruturaram no seio do movimento operário.

Além desse dois pressupostos – o cultural e o político – há o histórico-social que viabilizou o desenvolvimento da reflexão de Marx.

Hipóteses:
Na sociedade burguesa, o processo social tem características tais que os homem podem perceber-se como fruto de suas ações e desempenhos: compreender-se como atores e autores de sua própria história.

Mas a contradição é real: ao mesmo tempo que a sociedade burguesa abre possibilidades para tomar o ser social tal como ele é, bloqueia esta apreensão. Essa apreensão se oculta na exploração e opressão da maioria pela minoria e essa dinâmica produz mecanismos que ocultam esses atributos, que são: alienação e reificação.

Marx lê o movimento da sociedade burguesa, revela seus instrumentos de opressão e reprodução, afim de compreende-la para suprimi-la. É uma teoria da sociedade burguesa sob a ótica do proletariado.

E é a partir da revolução que Marx pensa a sociedade burguesa; a prática política que pode conduzir a ultrapassagem dessa sociedade, fornece-lhe o produto arquimediano do qual arranca sua reflexão.

A obra marxiana é fruto de uma longa de maturação, mas o percurso do desenvolvimento do pensamento desde sua primeira crítica à Hegel se desenvolve num caminho que obedece à uma rigorosa lógica, subordinada ao objetivo de compreender a sociedade burguesa.

Nessa evolução do pensamento, Marx constrói um conjunto de procedimentos, temas, idéias e categorias numa operação crítica e rigorosa. Recuperou a concepção dialética (Hegel), a teoria do valor-trabalho (Smith e Ricardo), a denuncia da miséria da vida sob o capitalismo e o apelo a uma nova ordem social (socialistas utópicos) e reconheceu o papel histórico fundamental das lutas de classes (historiadores das revoluções burguesas). Todo esse patrimônio, Marx incorpora e recebe um tratamento de clarificação que no curso de confrontos com a realidade social da época, de acesas polemicas com os socialistas contemporâneos e nela é primordial a colaboração de Engels.

Todo esse acervo teórico cultural crítico foi sistematizado no prefácio para a Crítica da Economia Política de 1859. Neste texto, observa-se o tratamento que Marx submeteu as questões como ser e consciência social, produção social e organização sócio-cultural, ideologia e revolução. Essas investigações traduzem o cerne do pensamento de Marx:
1. Marx enfoca a sociedade como produto de um processo plurisecular, onde as possibilidades do gênero humano não só se explicitam como ainda, servem para iluminar etapas históricas precedentes e também apresenta seu método: é o presente que esclarece o passado – mais complexo ajuda a explicar o mais simples. Nessa análise da sociedade burguesa, Marx concebeu o homem como um ser prático e social, produzindo-se a si mesmo por meio das suas objetivações (a práxis: processo de trabalho e o momento privilegiado) e organizando as suas relações com outros homens e com a natureza, conforme o nível de desenvolvimento dos meios pelos quais se mantém e reproduz enquanto homem;
2. Marx toma a sociedade – burguesa – como uma totalidade: não como um conjunto de partes que se integram funcionalmente, mas como um sistema dinâmico e contraditório de relações articuladas que se implica e se explica culturalmente. É uma teoria que quer apanhar o movimento constitutivo do social que se expressa sob as formas econômicas, políticas e culturais.

Esses dois aspectos relacionam-se com o método de pesquisa de Marx: o seu procedimento consistia em que os avanços do empírico – real – apanha as suas relações em com outros conjuntos empíricos, investiga a gênese histórica e o seu desenvolvimento interno e reconstrói no plano do pensamento, todo esse processo. O circuito investigativo, recorrendo compulsoriamente à abstração, retorna sempre ao ponto de partida e a cada retorno compreendia-o de modo cada vez mais inclusivo e abrangente. É um método que vê os fatos, nas aproximações ao real, que agarra a história desses processos simultaneamente às suas particularidades internas.

Toda a gigantesca pesquisa de Marx foi realizada para compreender a dinâmica da sociedade burguesa e, compreendendo-a, fornecer ao proletariado armas teóricas capazes de assegurar condições de êxito à sua ação revolucionária. Marx dedicou-se a uma teoria crítica para fundamentar e legitimar a negação da prática da sociedade burguesa – este é o núcleo e o sentido de sua investigação.

Toda essa complexidade da obra marxiana e a necessidade de tornar acessíveis suas idéias às massas favoreceram a uma atitude esquemática e simplificadora em face de reflexões ricas e multifacéticas. Teóricos como Kautsky e Plekhanov fizeram essa interpretação de acesso às massas, modificando-a significativamente, convertendo a obra de Marx a uma concepção de mundo – uma visão de conjunto da natureza e do homem, um sistema acabado e completo. Kautski foi que adotou o termo marxismo que se tornou um referencial global para o entendimento científicos para todos os fenômenos, inclusive da natureza.

Em suma: o que era originalmente hipóteses teóricas-crítica para desvendar a essência de uma sociedade historicamente datada, passa a se constituir num padrão geral de pesquisa e interpretação válido para qualquer objeto, e o qual derivam diretamente normas para ação.

Abria-se, tacitamente, o caminho para conversão da teoria em uma verdadeira doutrina – o dogmatismo. Além disso, há um reducionismo que leva a uma simplificação dos procedimentos analíticos e o abandono de temáticas caras à Marx (como a práxis).

Numa leitura para revisar as obras de Marx, proposto por alguns autores, era identificar as mudanças que haviam ocorrido na sociedade burguesa: alguns se propunham a indicar reformas para a passagem ao socialismo e outros mantiveram-se no projeto revolucionário de Marx, como Lênin e Rosa Luxemburgo. As análises desses últimos contribuíram vigorosamente a essa análise ao indicar que o capitalismo clássico cedeu lugar ao capitalismo de monopólios.

Lênin além de sua contribuição teórico, foi vitorioso na Revolução Proletária Russa. Os caminhos abertos nesse momento, possibilitaram viabilizar o verdadeiro sentido do pensamento marxiano: a revolução proletária. Entretanto, Lênin morre antes de se concretizar, praticamente, a virada socialista, e Stalin assume essa tarefa.

Assim, a tentativa de 1864 e 1871, de unificar, minimamente o movimento operário, por meio da associação internacional dos trabalhadores –a Primeira Internacional, em que nessa, mesmo com as divisões no interior dos representantes, as propostas marxianas, de raiz, conviveram com um leque diferenciado e de sugestões alternativas com tendência revolucionária. A segunda internacional, de 1889, traz os elementos, repudiado por Marx, de reformas e de redução do fundamento marxiano. A terceira internacional, portanto, já com Stalin – reino policialesco – reduz as teses marxianas à seu favor, institucionalizando o marxismo como oficial e único, chamando de marxismo-leninismo. Essa doutrina comporta dois blocos interligados: o materialismo dialético e o materialismo histórico. O primeiro é uma teoria geral do ser que, em contraposição a metafísica, privilegia o movimento e as contradições e toma o mundo material como o dado primário que na consciência, dado secundário, aparece como reflexo (reflexologia na psicologia). O segundo é a aplicação do primeiro no estudo da sociedade.

O materialismo dialético, surge como o mais apto para o estudo da natureza e da sociedade, reduzido a uma parte que contempla um certo numero de leis. Aplicado à sociedade, examina as instituições social como determinada pela infra-estrutura econômica. O PRAGMATISMO INVADE O MARXISMO.

Com a morte de Stalin, há um colapso contra esse marxismo oficial e se instaura o renascimento da reflexão comprometida com Marx, que abre caminho de leituras e tendências alternativas.

Com os caminhos dados por contemporâneos à Marx, ao desvincular a idéia de revolução do seu bojo, converteu-se em mais uma contribuição, dentre tantas, às ciências sociais e a obra de Marx passou a ser utilizada em operações analíticas, neutras, objetivas. Extirpando dela a ideologia revolucionária, o reformismo abriu o caminho para a mumificação acadêmica de Marx como sociólogo, economista, cientista social, etc.

O pensamento que se pretende herdeiro de Marx, torna-se tanto mais compatível como a sua inspiração quanto mais deixa de propor-se como um sistema fechado – como doutrina, seja marxista, marxista-leninista ou qualquer outra ista – e se restaura como indagação teórica do mundo burguês para nega-lo enquanto pratica de hoje e amanhã, no sentido de realiza-lo como projeto teórico e prático revolucionário.

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